Cida Pedrosa




É poeta e advogada. Nasceu em 1963, em Bodocó. Publicou Restos do Fim (1982); O Cavaleiro da Epifania (1986); Cântaro (2000); Gume (2005), todos em edição da autora e As Filhas de Lilith (Rio de Janeiro: Calibán Editora, 2009). Participou de várias antologias de poesia e, desde 2005, edita em parceria com Sennor Ramos o site Interpoética. Faz parte de Dedo de moça — uma antologia das escritoras suicidas (São Paulo: Terracota Editora, 2009). Tem textos traduzidos para o francês e o espanhol, e publicações espalhadas na internet e em jornais mundo afora

Fonte: biografia (skoob)
            Poemas (livro gumes – interpoética)  



Urbe
Cida Pedrosa


Hoje na minha boca
Não cabem girassóis
Cabe um poemapodre
Cheiro de mangue capibaribe
Um poemaponte
Galeria esgoto chuvas de abril
Um poemacidade
Fumaça ferrugem fuligem
Hoje na minha boca
Cabe apenas o poema
O poema hóspede da agonia



Engenharia da dor
Cida Pedrosa
                           para joaquim cardozo


Este olhar assimétrico
E o aroma de jasmim
Não moram em meu poema
Moram em meu poema:
A dor meridiana
O cheiro geométrico
Placas de engenharia
Números exatidão
Conexão tangencial da morte
Solidão inseparável das espécies




A face e o sertão
Cida Pedrosa



O azul toma conta da face
Que se transmuda em sertão
Velas a postos
Sons despedidas
Histórias de náufragos
Ressurreição
O sol toma conta da face
Que se exprime sertão
Pipas a pino
Ciranda de nuvens
Varanda aurora
Roda pião
O nu toma conta da face
Onde mora o sertão



O caminho da faca
Cida Pedrosa



Parte em arco
Rumo ao corpo amado
Flecha a fera, exposta
À chaga
Cruza a dor, o sonho
Escuta
Zunindo a lâmina
Flamejante alcança
Artérias e vasos
Aquedutos pontes
Parte em seta
Rumo ao corpo amado
Serena ira, ao amor
Alcança
Desdobra a carne
Desnuda a veia
Instala certeira
A eternidade
Pára qual âncora
Dentro do corpo amado
Ferina flor, ao corpo
Planta



Absoluto
Cida Pedrosa



Quando o tempo do branco chegar
Não terei gaiolas
Gatos siameses
Ou cachorro poodle
Com coleira de marfim
Com certeza
Direi poemas indecentes
Falarei de revoluções inacabadas
De lugares que mapeei com minha alma




Milena
Cida Pedrosa



Gosto quando milena fala
Dos homens
Que comeu durante a noite
É a única voz soante
Esta cantina de repartição
Onde todos contam:
Do filho drogado do preço do pão
Do sapato carmim, exposto na vitrine
Da rua sicrano de tal do bairro
De casa amarela
Onde você pode comprar
E começar a pagar apenas em abril
Sem a voz de milena 
O café desce amargo




O surfista
Cida Pedrosa



Um tempo
Passa kombi
Passa corpo
Passa poste
Passa árvore
E o menino pendurado na lanterna
Dois tempos
Passa moto
Passa morte
Passa gente
Passa carro
E o menino pendurado na flanela
Três tempos
Passa ônibus-bicicleta-caminhão
Pega brisa
Pega onda
Pirueta – famboiã
Flexão – fio de cobre
E o menino pendurado na banguela
Passa a via
Passa o vulto
Passa a vida
Passa o passo
Paira o ar
          sangue e vidro




Um  certo sol sobre são paulo
Cida Pedrosa
                                      para maria josé oiticica


O sol se põe em são paulo
A brisa rasteira
Rasteja meus pés
Que se põem entre o azul
E o mostarda do sofá da tua sala
O sol se põe
Sob os aviões da planície
E eu
Pássaro aceso
                  espero
Nesta casa de marias
Que voam nas asas da panair
O sol se põe sob são paulo
E eu
Pássaro sem saída
                  grito
Teu nome de ateu
São paulo anda à margem
À margem de mim
À margem de ti
À margem de nós
São paulo anda à margem do mar
E o pôr do sol voa mais alto
Que as luzes de néon




Céu de confeiteiro
Cida Pedrosa



Uma fatia de céu
É dada
Nesta noite de maio
Quinhão que cabe ao homem
Que da janela espera
A urbe apita
E o calor
Se faz bruma e precipício
Uma fatia de céu
É dada
Aos amantes da varanda
Quinhão que cabe ao amor
Em tempos de luas magras




Cinema aos domingos
Cida Pedrosa


A moça espera o rapaz na porta do cinema
O transeunte passa, olha a moça
Sorri por entre dentes
A sessão começa e a moça espera o rapaz
O transeunte passa, olha a moça
Um olhar por entre olhos
A sessão termina e a moça espera o rapaz
O transeunte passa, olha a moça
Um olhar por entre pernas
O vendedor de confeitos se retira
A moça não mais espera o rapaz
O transeunte passa, os dois se olham
Um olhar por entre coxas
O rapaz espera a moça na calçada do cinema



Elipse
Cida Pedrosa



Finco a chuva
Entre tuas pernas
E espanto o estio
Da pele fogem relâmpagos
Da boca saltam trovões
Nos olhos pairam coriscos
E um céu sertanejo
Sulco a terra
Neste plano horizontal
Levemente oblíquo
Caminho abissal
Semeadura de contas
Folhagem
Teu verso coruscante
Aflige ensandece espanta
O inverno se faz
Em uma tempestade
Quadrada
Ao amor é dada
A calha
Ah! quem sabe agora
O orvalho se move
E nos devolve as espigas
Que colhemos durante a noite





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