Miró de Muribeca




Nasceu em 1962 no Recife, no bairro da Encruzilhada, morador da Muribeca, escreve desde 1985, tem 7 livros lançados por este Brasil afora: Que descobriu azul anil (1985), Ilusão de ética (1993), Entrando pra fora e saindo pra dentro (1995), Quebra a direita segue a esquerda e vai em frente (1997), São Paulo eu te amo mesmo andando de ônibus (2001), Poemas pra sentir tesão ou não (2002), Pra não dizer que não falei de flúor (2004) e recitais por todas as esquinas.

Fonte: Overmundo




CARLA
Miró


Conheci Carla catando lata
Seus olhos brilhavam como alumínio ao sol
São Paulo ardia num calor de quase
quarenta graus
Pisou na lata como pisam os policiais
Nos internos da Febem
Jogou no saco
Com a precisão que os internos jogam
monitores dos telhados
E rápido foi embora
Tal qual seqüestro relâmpago
Deixando a lembrança
De um tempo que não havia seqüestros,
Febem
Nem tanta polícia
Muito menos catadores de lata
Os olhos de Carla
Nem desse poema precisavam.
  


CORRENDO O RISCO
Miró


Quem na verdade risca nosso destino?
Estará Deus por trás de tudo isso?
Com Bic?
Grafite?
Pintando oito vezes o teu nome na
Pedra da solidão?
Vejo tanto lirismo por trás dos teus óculos.
Será Deus daltônico?
Talvez esteja aí o mistério de tantas óticas
Na Conde da Boa Vista.





MARGINAL RECIFE
Miró


Recife
Cidade das pontes
E das fontes da miséria
Poetas mendigando passes
Pra voltar pra casa
E sua poesia passando despercebida
Aliás,
Nem passa.
  


QUATRO HORAS E UM MINUTO
Miró


Quatro horas
Quatro ônibus levando vinte e quatro pessoas
Tristonhas e solitárias
Quatro horas e um minuto
Acendi um cigarro e a cidade pegou fogo.
Cinco horas
Cinco soldados espancando cinco pivetes
Filhos sem pai
E órfãos de pão
Cinco horas e um minuto
Urinei na ponte e inundei a cidade
Sei horas
O Recife reza
E eu voando pra ver Maria




FILOSOFIA PRA PULAR
Miró


Por trás de um ônibus lotado
E uma cadeira vazia
Há sempre um grande vômito.
  


FOTOGRAFIA 3 X 4
Miró


Claro que eu acho sacanagem esperar os
cinco cruzeiros do cobrador
Como também não acho careta colar fotos
de ídolos na parede do meu quarto
Você conhece alguém que nunca tenha
sentido vontade de ficar sozinha?
Não?
Nenhuma vez?
Olhe. Veja bem.
No dia cinco de agosto eu levei umas
porradas de um policial só porque estava
sorrindo
Assim já é demais (comenta o leitor)
Eu estava tão inocente que por um instante
pensei
Não ser eu aquele.
Mas era!
Aí, a dor foi maior,
Pra que valem os 3 x 4 da Identidade
Se já nem sei se as mulheres que amei
Não viram a paisagem do meu rosto
Ou faltou tinta no meu abraço?



9 comentários:

  1. Poeta da contundência. Doí quando atravessa as vistas da leitura.

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  2. Lei e releio Miró o tempo todo. Com ele revivo a sensação infantil e esperar o primeiro soco na briga. A agonia de saber que vai levar uma porrada e não saber como vai reagir... Miró é foda !!!

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  3. O concreto na Poesia é isso: versos que nos levam a sentir cheiro de óleo diesel, ouvir o trânsito frenético da manguetown e ser curtido pelo ar carregado de humanimaldad. Mas depois de tudo resta a catarse da arte...cujo frêmito é tao perto do amor e todas as suas transmutações.

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  4. O concreto na Poesia é isso: versos que nos levam a sentir cheiro de óleo diesel, ouvir o trânsito frenético da manguetown e ser curtido pelo ar carregado de humanimaldad. Mas depois de tudo resta a catarse da arte...cujo frêmito é tao perto do amor e todas as suas transmutações.

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  5. O cotidiano das cidade do Recife sem maquiagem para turistas e sem a artificialidade da Tv. Miro tem versos incríveis de cunho social e de reflexão!

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